sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Uso Racional de Energia: Uma ALTERNATIVA inteligente! 01-10-07

Apaga a luz! Fecha bem a torneira! Quem nunca escutou um desses “lembretes” vindo da mãe, do pai, da esposa ou do amigo com quem divide casa ou apartamento? Essas expressões algumas vezes corriqueiras no nosso dia-a-dia (especialmente para os esquecidos) resumem um conceito muito importante no dias atuais: O uso racional da energia - nossa cota-parte no processo de redução de perdas e desperdícios de energia, o que chamam de eficiência energética.

Por: João Bosco Gertrudes(*)

O mundo moderno é cada vez mais dependente de energia nas suas mais variadas formas. O processo de transformação de uma forma de energia para outra sempre se dá mediante perdas, pois é sempre feita por “máquinas” transformadoras. As perdas podem ser reduzidas até ao mínimo possível, já que inerentemente fazem parte do processo de transformação e outras vezes são as perdas que resultam na forma desejável ou útil de energia, como no caso da lâmpada incandescente ou do ferro de passar muito comum nas nossas residências.

Às vezes sem as “perdas” nossas máquinas simplesmente não saem do lugar (o carro “atolado” em lama ou areia é um bom exemplo disso), ou na falta delas nossas máquinas podem ser fatais (quem vê F1 com certeza já ouviu a expressão “saiu na tangente”, “rodou”, “voou”, etc, etc).
A quantidade de energia que é perdida no processo de transformação torna a máquina mais ou menos eficiente. Por exemplo: Uma lâmpada incandescente transforma a eletricidade em luz e calor. Como o objetivo da lâmpada é iluminar, uma medida da sua eficiência é obtida dividindo a energia da luz pela energia elétrica usada pela lâmpada. A eficiência desse tipo de lâmpada é de 8 % (8 % da energia utilizada é transformada em luz e o restante em calor devido às perdas por efeito joule no filamento).

O conjunto de ações e medidas que objetivam a minimização dessas “perdas” nos processos de transformação para utilização final de energia é o que chamamos eficiência energética.
Essa tarefa é de todos! As industrias buscam reduzir custos eliminando desperdícios nos processos industriais, antes por uma questão de lucro, e hoje, por uma questão de necessidade, seguindo a linha de raciocínio de busca por soluções para a crise energética mundial. Por outro lado, nós consumidores, a nossa cota-parte é aprender a utilizar as mais diversas formas de energia que consumimos em nossas residências de forma racional - Mesmo porque, hoje em dia as residências estão cada vez mais parecidas com “pequenas indústrias de conforto”, com vários tipos de eletrodomésticos (máquinas) que fazem de tudo um pouco.

O que eu venho aqui compartilhar com os leitores desta coluna é a idéia de cultivarmos o bom hábito de consumir energia de forma racional ou sustentado. Da mesma forma que as empresas fazem isso sem prejudicar a qualidade dos seus produtos, nós consumidores finais podemos fazê-lo sem perder nossa qualidade de vida, o conforto proporcionado pelas nossas “máquinas fabricadoras de bem-estar”.

Na verdade esse processo pode começar bem antes de apagarmos uma lâmpada, por exemplo. Deve começar na concepção e construção das nossas residências. Um conhecimento das condições climáticas do local tanto por parte do projetista e do futuro morador ajuda na adequação do futuro lar, visando tirar o máximo de aproveitamento das condições climáticas da região. Sem perder o foco de economia de energia e também sem entrar em detalhes específicos, um bom projeto objetivando esse aspecto deve levar em consideração (entre outros aspectos):
Iluminação natural - grosseiramente falando, posicionando portas e janelas, bem como, utilizando materiais que permitam aquecimento interno por condução e radiação no inferno e as restringem no verão, mantendo o interior da residência em condições de temperatura constante e agradável.

Ventilação natural: Assegurando a renovação do ar no interior da residência por questões de saúde no inferno, e adequado para arrefecimento do interior no verão.
Com o projeto arquitetado e adequado para os fins a que estamos querendo atingir lembrado que um projeto com estas características deve ser necessariamente ser mais caro. Por outras palavras, gasta-se mais na concepção e construção, mas o lucro no futuro é incalculável, tendo em conta que, com essas medidas estaremos contribuindo para um mundo melhor, mais sustentado, e isso não tem preço - chegaremos a uma nova etapa, o projeto elétrico. Nesta etapa recomenda-se um bom projetista (com formação e experiência) capaz de elaborar um projeto de instalação elétrica adequado aos nossos propósitos e que segue rigorosamente as normas técnicas vigentes. Recomenda-se também materiais elétricos de primeiríssima qualidade, certificados, testados e com referência no mercado e manuseio adequado no ato da instalação. Essas são algumas medidas imprescindíveis para o nosso objetivo nesta etapa.

Se a obra não parar por falta de dinheiro chegaremos numa etapa mais interessante - o de transformar a nossa residência numa pequena “fábrica de conforto”, ou seja, equipá-la com todas as “máquinas transformadoras de energias que necessitaremos” ou melhor, que couberam no nosso orçamento. Convém notar que esta fase é crucial para nosso objetivo: o uso racional de energia. Lógico que queremos as melhores “máquinas” para o nosso lar doce lar. O que fazer? Por uma questão de comodidade, devo entrar na internet, escolher um loja on-line e procurar as máquinas anunciada no comercial de TV ontem a noite? Claro que não! Se fizermos isso com certeza nosso objetivo não será alcançado! Alguém já pensou nisso antes e criou a etiquetagem energética para ajudar-nos a escolher as melhores máquinas.

A etiquetagem energética foi criada pela comissão européia[1] para informar aos consumidores sobre a eficiência ou desempenho dos eletrodomésticos em termos de consumo de energia elétrica, de modo que este tenha condições de fazer uma comparação entre os diversos modelos disponíveis no mercado. Portanto, se gostou do “design” ou se ficou com inveja da geladeira nova da vizinha, nunca compre uma igual ao dela sem antes compará-la com outras marcas disponíveis no mercado. A etiqueta possui um código de cores e letras pré-definidas que identificam os índices de desempenho dos equipamentos, de barra verde com a letra A (melhor índice de eficiência) à barra vermelha com a letra G (pior índice de eficiência) e contém informações adicionais como consumo médio anual e de conformidade com o meio ambiente (emissão de CFC), etc. Esta etapa tem repercussões futuras na fatura mensal de energia. Ainda nesta etapa devemos incluir uma boa leitura dos manuais dos equipamentos ou de nossas máquinas, para que possamos manuseá-los ou operá-las “conforme manda o figurino”. Note que com essa atitude você estará aumentando a vida útil e também poupando dinheiro com manutenção das mesmas.

E finalmente a última etapa. Essa etapa pode ser chamada de etapa de administração, do bom senso, da disciplina, da consciência e por que não do controle no caso de pais com crianças e adolescentes.

Um exemplo: não é muito difícil encontrarmos nas residências, luzes acessas sem ninguém no quarto, TV, computador, som, o ferro de passar tudo ligado (e, pior ainda, tudo na mesma tomada), o filho no quarto com tudo ligado, etc, etc. Exagerei um pouco, mas deve-se ter consciência do que se pode fazer, para não sobrecarregar os circuitos da instalação - economizando e evitando incêndios e conseqüentemente manutenção da instalação - bom senso e persistência para apagar lâmpadas, desligar aparelhos que não estão sendo utilizados etc, e porque não um racionamento semanal ou diário na utilização das “máquinas de conforto” que consomem mais energia. A geladeira não tem jeito mesmo, tem que estar ligada o tempo todo para conservação dos alimentos, mas podemos, por exemplo, não passar roupa com a máquina de lavar a todo o vapor e eventualmente com a máquina de lava-louças funcionando.

Os exemplos citados acima são bons hábitos de uso racional de energia que deveríamos incorporar no nosso dia-a-dia - e quem já os incorporou sabe o bem que eles fazem na conta do fim do mês. Afinal, a energia consumida mais as perdas deve ser igual à geração. Portando, partindo do princípio que no nosso projeto visando a economia como um bem comum, conseguimos reduzir as perdas ao mínimo possível, só resta diminuirmos a demanda com as nossas ações de bom senso e uso responsável.

No Brasil, a ELETROBRÁS criou em 1986 o PROCEL ( Programa Nacional de Conservação da Energia Elétrica). O programa comemorou 20 anos de existência com resultados em termos de economia muito expressivos (equivalente a operação de 4 usinas com capacidade de 1.216 MW )[2], e o melhor resultado foi a intervenção e criação de bons hábitos, de consciência e importância do uso racional de energia no seio da sociedade. O programa abrangeu ações de diagnósticos de hábitos de uso, divulgação de conceitos e importância do uso racional na sociedade, promoção de inovações tecnológicas juntamente a universidades, escolas, municípios, concessionárias de energia elétrica, etc.

Acredito que deve ser ou já está sendo feito algo nesse sentido no nosso país, mas sugiro à nós consumidores a cultivamos o hábito de não desperdiçar energia. Ter a consciência de que a energia desperdiçada em nossas residências fará falta no futuro, ou seja, consciência de uso racional ou sustentado da energia. Embora a elaboração de um “Manual de Uso Racional de Energia Elétrica” depende de estudos dos hábitos de consumo de uma determinada sociedade, sugiro as “Dicas de Uso Racional de Energia Elétrica” elaboradas pela CELPA (Companhia Elétrica do Pará) e disponíveis no site do Grupo Verde[3]. Algumas dessas dicas são “universais” e podem ser úteis e incorporadas no nosso dia-a-dia.

A concessionária de energia elétrica tem também as suas responsabilidades e a sua cota-parte no processo de geração e distribuição eficiente de energia, e uma dessas responsabilidades é o de identificar o perfil dos seus consumidores e incentivá-los a usar o seu “produto” de forma eficaz e racional especialmente em épocas de crises e racionamentos.

Nosso país tem no turismo uma eventual propulsora da economia, o que é seguramente (e do conhecimento de todos) inviável sem investimentos e planejamentos no setor energético. Abro aqui uma brecha para discordar daquele(s) que compara(m) o nosso país com Canárias de há vinte anos atrás. Na minha humilde opinião, apesar das semelhanças de localização geográfica e eventualmente “físicas” com as ilhas Canárias, Cabo Verde deve continuar sendo promovido como um destino turístico ímpar, portanto com identidade própria, cujos diferenciais sejam: 365 dias de sol e belíssimas praias, aliada á nossa rica cultura musical e gastronômica, misturada com o requinte e conformo das instalações hoteleiras e a “Morabeza” do nosso povo principalmente. Isso não significa que experiências e projetos bem sucedidos em outros países, ditos insulares, não possam ser adaptados às nossas pretensões.

[Voltando ao assunto]. Atualmente estamos sendo brindados com “apagões” constantes, especialmente na capital do país. Confesso que desconheço as medidas corretivas (o ideal seria preventivas) que estão sendo tomadas para que tais “apagões” não acontecem no nosso país, porém não deixa de ser um assunto preocupante tendo em conta as nossas pretensões em aumentar o número de turistas/ano.

É notável que a crise atual foi gerado por falta de planejamento e investimentos visando a redução da dependência do consumo derivados de petróleo que tem registrado aumentos sucessivos nos últimos anos, e que se agravaram com a crescente demanda de energia - inevitável num país que registra índices de crescimento econômicos crescentes a cada ano, na verdade uma tendência mundial. Essa situação tornou-se visivelmente insustentável gerando um conjunto de problemas, e que tendem a piorar se medidas corretivas emergenciais não forem tomadas. A nossa rede é basicamente de distribuição (portanto sem perdas significativas comparadas ao caso de transmissão a longas distâncias). A demanda de energia no pais, pelo que pude verificar é atendida na maior parte das vezes por uma rede radial [...alguém me corrija, por favor, se eu estiver errado no tocante as características da rede...], com geração pontual, ou seja, não possuímos um sistema interligado com mais de um gerador que possibilitaria, por exemplo, um estudo de despacho econômico e alívio de um ou mais geradores no caso de aumento da demanda.

Tendo em conta este cenário, a falta de investimentos e modernização da rede e/ou processos de produção (o que acarreta altas perdas de energia), aliados a crescente demanda, levaria necessariamente aos inevitáveis planos de contingência envolvendo cortes de carga, ou seja, os atuais “apagões”, por um dos um dos dois motivos: falta de potência instalada suficiente para atender a demanda, ou ainda a falta de verba para importação de combustível para as centrais, tornando-se necessário racionamentos com máquinas paradas, ou a soma dos dois fatores.
Entre outras medidas que deverão ser adotadas (supõe-se que sem motivações ou cor partidária) e fazer desse processo de geração e distribuição eficiente, convém destacar aquelas mais primordiais ou emergenciais tendo em conta a nossa realidade atual: modernização da rede elétrica, modernização e/ou automação de processos de produção, estudos para alocação adequada de investimentos visando aumento da potencia instalada e visando o desenvolvimento IGUALITÁRIO das potencialidades e vocação turística de cada pedacinho do nosso país.

Além disso, é primordial a aceleração do projeto de aproveitamento e aumento da capacidade instalada de produção de energia eólica e continuar incentivando projetos de pesquisa e desenvolvimento que visam identificação e aproveitamento das nossas potencialidades renováveis, diversificando dessa forma nossa matriz energética e reduzindo a dependência de combustíveis fósseis. Continuar incentivando a utilização de painéis solares para aquecimento e iluminação em casas e hotéis e outras finalidades - Neste sentido, louváveis são as medidas de incentivo já adotadas pelo governo, como redução de impostos alfandegários e outras medidas cabíveis e viáveis para essa finalidade. O custo de implantação de um painel solar ainda é muito alto para o padrão de consumo da maior parte da nossa população, mas os benefícios econômicos e ambientais compensam o investimento para aqueles que tem condições e ainda pensam se vale a pena investir nessa forma de energia.

Finalmente, se o consumo de energia tem também como fator determinante a cultura dos seus consumidores, então cultivemos o hábito do uso racional e eficaz da energia. E se cultivarmos o hábito de consumir com responsabilidade, estaremos também aptos a cobrar da concessionária de energia responsabilidades e energia elétrica com qualidade e eficiência: Um bem comum imprescindível para o bem estar do nosso povo e aqueles que escolham as nossas ilhas para o seu merecido descanso, digo os turistas.

O uso racional de energia é considerado uma alternativa energética inteligente, um bom “hábito” a ser cultivado em Cabo Verde e no mundo. Afinal, não custa nada fazer algo para o bem comum, antes pelo contrário faz um bem muito grande para nossa consciência, para o nosso bolso e para esse planeta tão massacrado pela nossa busca constante pelo imprescindível conforto.

(*) João Bosco Gertrudes, Cabo-verdiano, natural de Porto Novo (Sto. Antão), engenheiro eletrotécnico pela Universidade de São Paulo e MSc. em energia elétrica pela Universidade de Campinas. Actualmente, doutorando na mesma instituição.

E-mails: jbosco_cv@yahoo.com.br; jgertrudes@hotmail.com

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